O protagonismo das mulheres na Serra da Capivara

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Se há um lugar onde o protagonismo feminino fez toda a diferença, este é a Serra da Capivara, no interior do Piauí. Portanto, se você já pensava em visitar a região por conta de conhecer seus sítios arqueológicos, Museus e pela sua presença na exclusivamente brasileira Caatinga, agora você vai ter mais um motivo.

Antes e depois de Niède Guidón

É inquestionável que a região, que foi reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade por abrigar o mais importante patrimônio pré-histórico das Américas e a maior quantidade de pinturas rupestres do mundo, pode ter sua história dividida entre um “antes” e um “depois” da chegada da Dra. Niède Guidón.

Uma vida de dedicação às pinturas rupestres e às pessoas

Desde o início da década de 1970, quando estava próxima dos 40 anos de idade, e chegou ali pela primeira vez para começar seu trabalho, a vida da arqueóloga se confunde com a descoberta, preservação e com os estudos das pinturas rupestres e outros vestígios da presença dos nossos ancestrais pré-históricos.

Em 1978, Niède convenceu o governo francês a estabelecer uma missão arqueológica para estudar a pré-história no Piauí. Em 1979, em um pedido encabeçado por ela, o Parque Nacional da Serra da Capivara é criado pelo Governo Brasileiro, a fim de colaborar com a preservação do acervo gigantesco que fora encontrado durante as pesquisas que já vinham sendo feitas. 

No entanto, Niède não cuidou somente do acervo pré-histórico. Ela também tem liderado diversos projetos que beneficiam a população local com geração de renda e com a melhoria de suas condições de vida. 

Seu legado permanecerá para sempre.

Para saber mais, leia também: Niède Guidón e seu intenso trabalho na Serra da Capivara

Uma região de mulheres protagonistas

E Niède não esteve sozinha. Com o passar do tempo, sua bela trajetória de vida foi contando com a presença de muitas outras mulheres que foram se destacando, inspiradas por ela e estimuladas pelas oportunidades que foram sendo criadas.

Hoje em dia, são muitas as que fazem a diferença na Serra da Capivara.

Vamos apresentar algumas dessas personagens tão importantes como forma de homenagear tantas figuras fantásticas da região.

Rosa Trakalo: braço direito de Niède Guidón

Foi em 1986 que Rosa visitou a região por 15 dias. Antes disso ela já acompanhava e trabalhava remotamente em projetos relacionados ao Parque há alguns anos. Em 1992 foi morar definitivamente na Serra da Capivara.

Ao longo dessas décadas até os dias atuais, essa uruguaia que adotou o Piauí como seu lugar da vida atuou em projetos de captação de recursos para manutenção do Parque, esteve envolvida com a realização de simpósios, seminários, congressos sobre temas que vão desde a preservação do acervo rupestre da região, até questões como direitos humanos, turismo sustentável, entre outras.

Desde 1992 trabalha o desenvolvimento do turismo, principal aposta para a sustentabilidade da Serra da Capivara.

Nos últimos anos, se dedicou também ao planejamento, instalação e funcionamento do impressionante Museu da Natureza que, junto do Museu do Homem Americano, é parada obrigatória para quem visita a Serra.

Atualmente, Rosa é Coordenadora dos Museus da FUMDHAM.

Elizabete Buco

A arquiteta paulista também adotou a Serra da Capivara como seu lugar de vida. Chegou lá em 1996.

É a responsável, em pareceria com a AD Arquitetura, nada mais nada menos, que pelo projeto arquitetônico do Museu da Natureza: uma Área Projetada de 4.075,00 m² em um terreno de 18.164,78 m².

Trata-se do primeiro edifício circular e em espiral todo planejado com estrutura metálica no Brasil.

As 12 “salas” do museu formam uma grande rampa helicoidal – como o tronco do mandacaru –, para representar, no sentido ascendente, a evolução das mudanças geológicas e paleontológicas do planeta.

O Museu (imagem ao lado) ainda conta com sistemas de instalações elétricas, hidráulicas e ar-condicionado, tudo sustentável. Um tanque de retenção foi instalado nas imediações do Museu para que a água da chuva possa ser reutilizada.

E essa não é única contribuição dela para a região.

Bete também esteve no planejamento e acompanhamento da construção da infraestrutura do Parque Nacional Serra da Capivara, incluindo projeto e fiscalização da construção de guaritas, passarelas e acessos aos sítios arqueológicos, sinalização, etc.

Vale ressaltar que o Parque é uma referência em quesitos como qualidade e acessibilidade das instalações.

Bete ainda desenhou e executou a primeira Exposição permanente do Museu do Homem Americano, projetou e fiscalizou a criação do Centro Cultural Sérgio Motta, atual sede da Fumdham e é autora do livro “Turismo Arqueológico- Região do Parque Nacional Serra da Capivara”, entre tantas outras contribuições.

Marian Rodrigues

Marian é atualmente Chefe do Parque Nacional Serra da Capivara, no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.

Sua lista de títulos acadêmicos é vasta e internacional.

É Doutora e Mestre em Arqueologia pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro-PT, com diplomas revalidados pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP).

A volta para as origens

Nascida na própria Serra da Capivara, na região onde hoje é o município de Cel. José Dias, Marian foi estudar fora do Brasil mas, fez questão de voltar para suas origens.

É educadora e Sócia-Fundadora do Instituto Olho D Água que atua apoiando a disseminação de práticas e conhecimentos culturais/locais.

O Olho D’Água instiga a vocação criativa das comunidades para o bem-estar social, no cuidado com o meio ambiente, na defesa da vida, na preservação da memória, das tradições e do patrimônio cultural, em conexão com o acervo arqueológico do Parque.

Marian ainda usa sua experiência na área de Arqueologia, atuando principalmente em temas: gestão ambiental e cultural, arqueologia, educação, gestão de conflitos com comunidades tradicionais e sustentabilidade cultural.

Girleide Oliveira

Quem vai à Serra da Capivara dificilmente resiste a comprar as cerâmicas fabricadas na região. Nelas, as pinturas de milhares de anos feitas por nossos ancestrais ganham reproduções em belíssimos pratos, potes, copos, jarras e souvenirs (foto abaixo).

Se no começo, elas eram compradas apenas por visitantes da Serra, hoje já são vendidas em grandes lojas de todo o Brasil e ainda fazem parte de um projeto que envolve empreendedorismo, preservação ambiental e inclusão social.

O projeto da Fábrica de Cerâmicas foi ideia da Dra. Niède e existe desde 1994.

Desde o começo dos anos 2000, ele tem à frente, Girleide Oliveira.

Ela ainda é responsável por uma pousada que fica na mesma área onde a cerâmica é produzida. Quem se hospeda por lá, visita a produção e ainda pode testar sua habilidade de ceramista.

“Não foi uma trajetória fácil e simples, tivemos altos e baixos, mas chegamos longe. Surgiu mesmo pra gerar renda para as pessoas que moram na região, pensando ao mesmo tempo em cuidar da fauna e da flora do entorno do Parque e divulgando as pinturas rupestres, que são nosso maior patrimônio”, diz Girleide.

Guariteiras

Indo à Serra da Capivara, você vai notar que quem cuida das guaritas do Parque são mulheres.

Essa opção de colocá-las cuidando das entradas do Parque é de Niède Guidón e foi se mostrando um sucesso, com o passar do tempo.

Muito comprometidas e responsáveis, além de trazer qualidade para o Parque, esse trabalho ajuda muitas delas no sustento de suas famílias e a terem mais autonomia como mantenedoras de seus filhos.

A simpatia delas é uma atração à parte. Estando lá, vale a pena tirar, nem que forem alguns minutos, para um papo.

Leia também:

A saga de Niéde Guidon em defesa das mulheres – Texto de André Pessoa

Mulheres nas posições de liderança da Fumdham

A Fumdham (Fundação Museu do Homem Americano) é uma entidade civil, sem fins lucrativos, criada em 1986 para garantir a preservação do patrimônio cultural e natural do Parque Nacional Serra da Capivara, (1979).

Entre seus objetivos declarados desde o início, estão a “compreensão do bioma da região, a reconstituição do passado humano e sua adaptação ao meio, nas diferentes realidades ambientais pelas quais passou a região, desde a primeira ocupação…”.

Entre as finalidades atuais da fundação estão: “manter as coleções que resultam das pesquisas na região do Parque Nacional Serra da Capivara; estimular a pesquisa e o ensino da área da arqueologia; e difundir os resultados das investigações”.

Para isso, a Fumdham realiza atividades científicas interdisciplinares, culturais e sociais.

Mulheres nos cargos de liderança

Em uma rápida passada pelo site, podemos ver a presença feminina nas posições de liderança:

Presidente Emérita: Dra. Niède Guidon, Diretora Presidente: Dra. Anne Marie Pessis, Diretora Científica: Dra. Marcia Chame, Diretora Financeira: Dra. Gabriela Martin Ávila e no Conselho Consultivo Fiscal: Dra. Daniela Cisneiros, Dra. Elisabeth Gomes de Matos Medeiros, Dra. Fátima Barbosa, Dra. Gisele Daltrini Felice, Dra. Maria Conceição Soares Meneses Lage.

Mulheres empreendedoras

No ramo de restaurantes e pousadas também é comum vermos mulheres proprietárias.

Paula Alves pode ser encontrada no restaurante do Sítio do Mocó. Ela trabalhou na escola da Fumdham e depois foi crescendo com o turismo até se tornar empresária.

A Dirinha (imagem acima) é proprietária do restaurante Sabor e Arte e ficou à frente do restaurante do Museu da Natureza, até pouco antes de pandemia.

Esses são apenas dois exemplos. Ambas têm muita história para contar sobre sua trajetória de vida. 

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Venha para a Serra da Capivara!

Além de apreciar o acervo arqueológico mundialmente reconhecido da região, você visita Museus incríveis, passeia pela Caatinga, bioma de uma riqueza e beleza imensa, e ainda conhece esse lugar de mulheres lutaram e seguem lutando por seu protagonismo, além de estar em contato com comunidades tradicionais onde a cultura do sertanejo nordestino se dá no cotidiano. 

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