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As ceramistas do Vale do Jequitinhonha viraram anfitriãs e recebem viajantes com interesse nas oficinas do artesanato local! Tradição artística da cerâmica e protagonismo das mulheres se misturam trazendo melhoria da qualidade de vida na região.
POR DANIEL GRASER (parceiro a amigo da Ambiental Turismo) (@graser_daniel )
“Aqui as pessoas nascem resilientes!” A frase não é minha, mas me chamou a atenção ainda mais no momento pelo qual passamos. Quem me disse isso foi a minha colega de turismo Marianne falando sobre o Vale do Jequitinhonha, localizado na divisa dos estados de Minas Gerais e Bahia.
Esta região recebeu o apelido de “Vale da Miséria” nos anos 70 e até hoje normalmente aparece na mídia quando o assunto é pobreza ou falta de investimentos. Raramente as notícias veiculadas de lá são positivas.
Artesanato que conta histórias
Resolvi aproveitar este espaço para jogar uma luz diferente sobre a região e mostrar como o turismo faz parte desta conquista.
A famosa “Cerâmica do Jequitinhonha” me surpreendeu não apenas pelo capricho, mas principalmente porque as peças contam uma história. Vai muito além das tradicionais lembrancinhas e souvenirs de viagem.
É a história das mulheres de Campo Buriti, pequena comunidade rural do Vale.
Tudo começou quando elas perceberam que unidas, teriam mais facilidade de vender o artesanato que produzem. Se organizaram, criaram uma associação (sem ajuda da prefeitura) e fizeram correr a notícia de que vendiam artesanatos de cerâmica.
Fonte IEPHA MG
No início basicamente a louça do dia a dia que depois evoluiu para a criação de jarros, vasos e peças decorativas. As peças são todas diferentes, mas são parte de uma forma de arte tradicional que é transmitida já há 5 gerações.
Das bisavós às avós, para as mães e netas.
Apenas mulheres! Que continuam quando o dinheiro acaba, que recomeçam do zero diversas vezes. Resilientes
No Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, a cerâmica é reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial do estado. Para diversas famílias, os processos de transformação do barro representam uma força ancestral de cultura e renda.
Nessas comunidades, jovens artesãs têm garantido a conservação das tradições do artesanato do vale possibilitando que esse conhecimento siga ecoando para as novas gerações.
A imagem em destaque (acima) fala por si. Os noivos não aparecem porque não estão em Campo Buriti. Estão longe, na cidade grande trabalhando, ou à procura de trabalho (que não existe na comunidade).
Vidas separadas por uma questão de necessidade e sobrevivência que reflete na arte. Artesanato com alma, storytelling de verdade!
“O que a cerâmica significa para você?”
Dona Faustina, líder da comunidade, responde que é terapia, renda e garante a independência das mulheres.
Muitas das jovens que hoje se dedicam aos processos de transformação do barro são herdeiras das grandes mestras da cerâmica do Vale. Uma delas é Andreia Andrade, do Vale do Araçuaí.
Fonte: UFMG
Sua avó, Isabel Mendes da Cunha, ou Dona Isabel, é internacionalmente reconhecida como a maior “bonequeira” de Minas.
Em sua comunidade, construiu uma verdadeira escola de arte, onde diversos familiares e amigos aprenderam as técnicas tradicionais da cerâmica.
Criada em meio ao artesanato, Andreia Andrade (foto acima) desenvolveu o interesse pelo ofício ainda na infância, e hoje é uma das principais responsáveis pela preservação dos conhecimentos que herdou de Dona Isabel.
“Muita gente sobrevive fazendo bonecas e minha avó sempre teve a disposição de ensinar. Esse é o mesmo interesse que eu tenho: ensinar. Em Santana, ela deu um ofício para muita gente”, compartilha a artesã.
Recebendo turistas
E com a cerâmica elas foram mais longe. Virou temática de viagem, um motivo para ir até o Vale. As ceramistas viraram anfitriãs e recebem viajantes com interesse nas oficinas do artesanato local.
Do Barro à Arte resume muito bem a proposta da viagem. Você literalmente cria a sua lembrança de viagem, se hospeda na comunidade e é integrado nas atividades do dia a dia.
Como por exemplo, colher o pequi (fruto típico do cerrado) que será servido com arroz , prato local típico. E o almoço com prosa pode durar 2h porque também é uma experiência.
A ideia central do turismo comunitário é inverter os papéis da atividade turística comum. Num passeio tradicional você leva como lembrança uma rede, uma cachaça ou algum artesanato local. Quem produz a lembrança possui papel de coadjuvante na logística do passeio.
Turismo que valoriza a comunidade
Fonte IEPHA MG
O turismo comunitário faz a inversão, colocando a comunidade no centro da atividade. A população local, de forma associativa e solidária, participa diretamente das decisões e das atividades de turismo.
E o Vale de Jequitinhonha é um ótimo exemplo que deu certo. Uma nova forma de pensar turismo.
Conhecer algo novo e de um jeito diferente sempre implica se despir de alguns preconceitos. Vale mencionar que sair da zona de conforto não significa passar perrengue, muito pelo contrário. Porque viajar significa descobrir.
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Além do ótimo relato do Daniel Graser (@graser_daniel) , ele também conta com informações da UFMG e algumas imagens do IEPHA MG